Mato Grosso, 25 de Abril de 2024
Política

A tortura sobe ao pódio

19.03.2018
FONTE: Auremácio Carvalho

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  • Auremácio Carvalho

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, demitiu o Secretário de Estado Rex Tillerson, por mensagem no Twitter, que é seu método e ferramenta especial de trabalho, (13/03). Ele anunciou Mike Pompeo como substituto, e que dirigia a CIA, a central de inteligência americana- uma ABIN com mais recursos. A questão é quem ele indicou para a chefia da CIA: uma especialista em tortura como método de Estado para combater o crime e o terrorismo. Gina Haspel é a primeira mulher nomeada à frente da CIA, mas o papel desta ex-chefe das operações clandestinas em prisões secretas onde detentos eram torturados pode complicar e aprofundar a calamitosa aceitação nos EUA do (des) governo Trump. Ela foi nomeada em 2013 para dirigir o Serviço Nacional Clandestino da CIA, mas foi substituída depois, por sua responsabilidade na criação no exterior de prisões secretas após o 11 de setembro de 2001, onde métodos como simulação de afogamento, encenações de fuzilamentos de presos, impedimentos de dormir por quase 24 horas, usando sons e luz, jatos de água, tudo oficialmente são métodos de tortura, usados para interrogar suspeitos; e que são usados no mundo inteiro, inclusive num certo país do carnaval que conhecemos. A sua biografia, por certo, não a recomenda; apesar dos elogios do próprio Presidente ao seu passado de eficiência duvidosa em face dos mínimos parâmetros legais e de direitos humanos dos presos ou suspeitos. A tortura é um velho e conhecido método de extrair confissões, principalmente usado por agentes do Estado, em geral, incompetentes ou despreparados tecnicamente para suas tarefas. Usa-se a famosa “pedagogia” da pancada.

 

As práticas de tortura estão presentes em nosso cotidiano e com implicações desde os períodos autoritários pelos quais nosso país passou, em especial, o último: a ditadura militar de 64 a 85. Nos anos 90, estas práticas passaram a ser percebidas por grandes segmentos de nossa população como questões que não lhes dizem respeito e, até certo ponto, como aspectos necessários para conter a violência dos “perigosos”.

 

Desde que aplicada aos outros que não nossos parentes ou amigos, mais aos marginais de todos os tipos, tais práticas são na realidade aceitas, embora não defendidas publicamente. É comum a pergunta quando se fala de tortura: ”mas, o que ele fez?. Como se tal procedimento pudesse ser justificado por algum erro, deslize ou crime cometido pela vítima.Somente em alguns casos quando se trata de pessoas inocentes há clamores públicos, o que mostra que para certos segmentos essa medida pode ser aceita. Assim, apesar da sua não defesa pública, a omissão e mesmo a conivência por parte da sociedade fazem com que tais dispositivos se fortaleçam em nosso cotidiano.

 

Segundo o art. 1º da Convenção da ONU sobre a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 10/12/84, a tortura é conceituada como: “ Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência”.

 

Na Ditadura-1964/85- a tortura foi método corrente contra os opositores- “subversivos”- do regime. Aliás, em seu livro de memórias, o ex-presidente Ernesto Geisel afirma: (...) “que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter informações. (...) no tempo do governo Juscelino alguns oficiais, (...) foram mandados à Inglaterra para conhecer as técnicas do serviço de informação e contra-informação inglês. Entre o que aprenderam, havia vários procedimentos sobre tortura.” A liberação pelo governo americano de uma lista parcial de nomes de participantes nos treinamentos da Escola das Américas revelou o fato de que militares brasileiros treinaram e participaram de tortura, inclusive no Chile. Hoje, a tortura é crime inafiançável pela CF/88 (art. 5º, inciso XLIII), mas sua repressão ainda é fraca, apesar ainda da Lei 12.847/13 que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

 

Há preocupação com a incapacidade do Poder Público apurar a tortura “oficial” cometida por seus agentes ou ainda a tendência a desqualificar o testemunho de vítimas que ousam denunciar seus algozes. Costuma-se dizer que a tortura nos locais de detenção é privilegiada pela invisibilidade. Na verdade, a lei brasileira, contrariamente às convenções internacionais, optou por criminalizar a tortura genericamente, deixando de lado a tendência consolidada nas Nações Unidas, e mesmo no âmbito da Organização dos Estados Americanos, de relacioná-la a agentes do Estado.

 

Trata-se de crime próprio em que o sujeito ativo é quem detém autoridade, guarda ou poder sobre a vítima. O sujeito passivo é quem estiver sob essa relação que deve ser de dependência, não necessariamente no exercício de uma função pública. Um pai pode torturar o filho; ou alguém que detém sua guarda.(art. 1º da nº 9.455/97- Lei da Tortura). A própria lei abre uma “brecha” legal para a impunidade: nas formas de tortura, descritas no artigo 1º, incisos I e II,  somente se perfazem se tiver agido o agente imbuído por uma finalidade específica. No caso do inciso I, para “obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; provocar ação ou omissão de natureza criminosa e por motivo de descriminação racial ou religiosa”. Já no caso do inciso II, no intuito de “aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. Ora, se  a vítima se encontra presa não se exige o especial fim de agir na conduta do agente. Necessário, diz a lei, para se caracterizar o crime de tortura: o meio empregado (violência ou grave ameaça), as consequências sofridas pela vítima (constrangimento e o sofrimento físico/mental) e a finalidade pretendida.

 

Até se chegar a esta conclusão, em geral, muita água correu por baixo da ponte: ameaças a testemunhas, desclassificação do crime, transferência do agente para outro local de trabalho, inquéritos administrativos infindáveis etc. Voltando à nova Diretora da CIA alguns Senadores já falam em não aprovar a sua indicação pelo passado violento. No Brasil, porém, ainda há um longo caminho para acabar com esse mal, principalmente, o do cumprimento da lei.

 

Auremácio Carvalho é Advogado.

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