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Eutanásia

11.05.2018
FONTE: Auremácio Carvalho

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  • Auremácio Carvalho

A mídia informa (G1), que o cientista australiano David Goodall, de 104 anos, morreu na manhã desta quinta-feira (10) na Suíça após sair de seu país para uma clínica de suicídio assistido. No início do mês, o pesquisador virou notícia porque queria acabar com sua própria vida. Goodall não sofria de nenhuma doença terminal, mas afirmava que sua qualidade de vida havia piorado muito com o passar do tempo. A morte foi confirmada pela clínica Exit International, instituição que ajuda pacientes a morrer na Suíça, onde o suicídio assistido é legal.

 

Uma nota da empresa informa que o pesquisador escolheu uma injeção letal para morrer e caiu no sono segundos depois. O cientista estava acompanhado de netos, familiares e médicos.

 

A Eutanásia consiste na conduta de abreviar a vida de um paciente em estado terminal ou que esteja sujeito a dores e intoleráveis sofrimentos físicos ou psíquicos.  Interessante é que o cientista não sofria de nenhuma doença terminal, como se informa. Morreu, por injeção letal, ouvindo a nona sinfonia. A ideia base da prática da eutanásia é que todo o indivíduo tem o direito a pôr fim à sua vida, caso esteja enfrentando alguma das situações descritas anteriormente.

 

Etimologicamente, este termo se originou a partir do grego eu + thanatos, que pode ser traduzido como “boa morte” ou “morte sem dor ou suave”. Vários motivos ou razões podem justificar a eutanásia, como por exemplo, a vontade do doente; ou a pessoa representam uma ameaça para a sociedade- pena de morte-(eutanásia eugênica); ou porque o tratamento da doença implica numa grande despesa financeira para a família, que por sua vez não tem condições de arca-la (eutanásia econômica).

 

No Brasil, não permite a lei essa prática; que é vista legalmente, como induzimento ao suicídio. Um médico que termina a vida de um paciente por compaixão comete o chamado “homicídio simples”, indicado no artigo 121, e está sujeito a pena de 6 a 20 anos de reclusão. É diferente da Ortotanásia que consiste no ato de parar com atividades ou tratamentos que prolongam a vida de forma artificial. Isto acontece em casos que uma pessoa se encontra em coma ou estado vegetativo, não havendo tendência para que recupere. É uma forma de eutanásia passiva.

 

Foi o que aconteceu com um bebê na Inglaterra semana passada e por decisão médica e de um Tribunal Superior. Também proibida no Brasil. Mas, a questão não é tão simples assim, pois envolve aspectos éticos, morais e religiosos, principalmente na sua discussão e aceitação. Se Deus é o Autor da Vida, o homem pode elimina-la? Mesmo que por vontade própria? É ético- mesmo que seja legal, tirar a vida de alguém?

 

Outro grande problema religioso é o da Testemunhas de Jeová, que não permitem transfusão de sangue e que, a justiça precisa intervir para salvar a vida do paciente- inclusive crianças, determinando a transfusão.

 

A morte continua sendo um tabu, assunto proibido; talvez, por falta de uma preparação para esse momento- cultural, psicológica ou religiosa. Por isso não falamos dela. Mas quando se pergunta às pessoas se têm medo da morte, elas costumam responder que, na verdade, têm medo do sofrimento. Da dor física, mas também dor psicológica de ter que continuar vivendo em condições insuportáveis, causando sobrecarga a parentes e amigos, inclusive também danos psicológicos. Morrer bem é certamente o desejo mais universal.

 

Mas o conceito de boa morte não é igual para todos. Os avanços no controle do câncer e de outras doenças, que eram mortais até pouco tempo atrás, aumentaram os casos de patologias crônicas de longa evolução sem esperança de cura. Cada vez são diagnosticados mais casos de demência ou doenças degenerativas que provocam a perda progressiva das faculdades físicas e, às vezes, mentais. Dispomos de um amplo arsenal de terapias que não curam, mas que permitem prolongar a sobrevivência. O problema é que isso muitas vezes ocorre à custa de um grande sofrimento ou da perda irreparável da qualidade de vida. 

 

A perspectiva de uma longa e penosa deterioração faz com que muitos queiram decidir, por si sós, quando e como morrer. Este é o princípio no qual se baseiam os que propõem a despenalização da eutanásia. Ter acesso a uma morte medicamente assistida significaria uma extensão dos direitos civis. Nos países onde a prática não está regulada, como no Brasil, são realizados suicídios e eutanásias acobertados (desligamento de aparelhos, diminuição de medicação), com risco para os profissionais que, de maneira altruísta, alegam que, dada a necessidade existente, é melhor regulá-la; do que fingir que não estão tirando a vida do paciente. Não há no ordenamento jurídico brasileiro a tipificação da eutanásia como crime, mas ela é enquadrada como um homicídio. Ela pode também ser classificada como auxílio ao suicídio, mas para que isso ocorra, é necessário que o paciente solicite ajuda para morrer (artigo 122 do Código Penal). O código de medicina considera a prática antiética.

 

Por outro lado, a ortotanásia é aceita pelo Conselho Federal de Medicina, desde 2010. Também cabe observar que o parágrafo primeiro do artigo 121 do Código Penal prevê uma diminuição da pena àqueles que “por motivos de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção” cometerem homicídio a pacientes terminais.

 

A eutanásia é, portanto, um caso de homicídio privilegiado (porque quem o comete recebe perdão de parte da pena). A regulamentação da eutanásia precisa de uma deliberação informada e amadurecia, amplamente discutida, distante dos apriorismos e dos sectarismos ideológicos, de qualquer natureza. A eutanásia ou suicídio assistido estão regulamentados na Bélgica(2002), Holanda(2002), Luxemburgo (2008), Colômbia (2015, por uma resolução do Tribunal Constitucional) e nos Estados norte-americanos do Oregon (1997), Washington (2008), Montana (2008), Vermont (2013) e Califórnia (2015). No caso da Suíça, a eutanásia não foi regulamentada, mas o Código Penal não contempla penalidade para quem ajudar o outro a morrer, desde que seja por razões altruístas. O Canadá foi o último país a regulamentar a eutanásia (2016).

 

Como regra geral nesses países, os requisitos para solicitá-la são parecidos em todas as legislações: sofrer uma doença terminal ou processo irreversível que cause um padecimento insuportável sem perspectivas de melhora. Que o doente expresse livre e reiteradamente sua vontade de morrer e que seu caso seja revisado por dois ou mais médicos.

 

Em síntese: a eutanásia ainda gera muito debate no Brasil e no mundo inteiro. O principal argumento a favor da prática é que de nada adiantaria a pessoa ter direito à vida se a vida não é mais proveitosa e digna para ela. Se o prolongamento da vida de alguém significa sofrimento prolongado, o indivíduo deve ter o poder de terminá-la, se assim desejar. A eutanásia estaria, portanto, relacionada ao direito de escolha do paciente, com o respeito à sua decisão de terminar com a sua vida, sem a interferência de quem não conhece seu estado de saúde.

 

Por outro lado, um dos principais argumentos contra a eutanásia é que se trata de tirar a vida de alguém, o que não difere muito de um assassinato. Esse argumento se reforça nos casos em que o indivíduo submetido à eutanásia era emocionalmente abalado por conta da sua condição de saúde. Pessoas nesse estado poderiam tomar decisões precipitadas, levando a mortes que poderiam ser evitadas.

 

É um assunto inesgotável ainda, mas que merece reflexão de todos- médicos, legisladores, religiosos, e povo em geral, pois interessa a todos.

 

Auremácio Carvalho é Advogado.

 

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