Mato Grosso, 16 de Abril de 2024
Economia / Agronegócio

Analistas recomendam cautela no uso do FGTS em crédito consignado

26.07.2016
09:06
FONTE: G1

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A permissão para que o trabalhador do setor privado possa oferecer até 10% do saldo de seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia em um empréstimo consignado (com desconto na folha de pagamento), além de 100% da multa por demissão sem justa causa, é positiva para os bancos, segundo análise da agência de classificação de risco Moody´s.

Para analistas, porém, a medida não é necessariamente boa para os trabalhadores do setor privado, que estariam abdicando de poupança (que seria obtida em um momento de maior fragilidade, como a demissão sem justa causa) para fazer uma dívida no sistema financeiro. A vantagem da operação, em teoria, é que os juros cobrados pelos bancos seriam menores.

A primeira vez que se ouviu falar sobre o assunto foi em janeiro deste ano, quando o antigo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, informou que a proposta partiu de "representantes do mercado financeiro". A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) foi procurada pelo G1, mas não quis se manifestar sobre o assunto.

A medida, proposta pela equipe econômica da presidente afastada Dilma Rousseff, foi aprovada pela Câmara e pelo Senado e promulgada neste mês.

Falta regulamentação
Para que essa modalidade de crédito possa ser concedida, porém, ainda falta regulamentação, o que está previsto para acontecer somente em setembro deste ano.

De acordo com a lei, caberá ao agente operador do FGTS, ou seja, a Caixa Econômica Federal, definir os "procedimentos operacionais" para que as novas regras sejam aplicadas.

A Caixa Econômica Federal, por sua vez, informou que caberá ao Conselho Curador do FGTS definir o número máximo de parcelas e as taxas de juros a serem cobradas pelas instituições nas operações de crédito consignado com garantia do FGTS.
 
"Como Agente Operador do FGTS, a CAIXA irá expedir as orientações operacionais após a publicação dessas instruções, observando-se os prazos regulamentares", acrescentou a instituição financeira.

Segundo o coordenador-geral do FGTS, Bolivar Moura Neto, o Conselho Curador deve regulamentar e definir a forma de se operacionalizar a nova modalidade de crédito somente em setembro deste ano – quando se reúne novamente.

De acordo com ele, os recursos que poderão ser dados como garantia pelo trabalhador não poderão ser "apartados" do seu patrimônio de antemão – uma vez que, por outros motivos, os valores poderão ser sacados, como comprar um imóvel, por exemplo.

Entretanto, se pegar a linha de crédito, quando for demitido, o saldo devedor do empréstimo será abatido do valor que ele tem a receber no momento da rescisão, informou o coordenador-geral do FGTS. Isso já acontece atualmente com a verba rescisória (na maioria dos empréstimos consignados para empresas, há uma garantia de cerca de 30% das verbas rescisórias).

Moura Neto observou que, mesmo assim, não há garantia de que o banco terá direito a todos os valores dados como garantia nas operações – uma vez que o trabalhador poderá pedir demissão, ou ser demitido por justa causa, hipóteses em que a multa de 40% sobre o saldo do FGTS não é paga pelos patrões.

Juros bancários no Brasil
Na ocasião em que foi editada a Medida Provisória sobre o assunto, em março deste ano, o Ministério da Fazenda destacou a possibilidade de a proposta viabilizar reduções nas taxas de juros cobradas de trabalhadores privados na tomada dos financiamentos.

O Brasil tem uma das maiores taxas de juros do mundo para o consumo. A taxa média do cheque especial cobrada pelos bancos no Brasil, por exemplo, soma mais de 300% ao ano e do cartão de crédito rotativo ultrapassa a barreira dos 470% ao ano. Para o crédito pessoal, em maio a taxa ficou em cerca de 130% ao ano.

Reportagem publicada pelo jornal norte-americano “The New York Times”, no fim de 2014, informou que os juros praticados em algumas linhas de crédito no Brasil “fariam um agiota americano sentir vergonha”, citando os cartões de crédito.

Estudo da consultoria Economática, divulgado em março de 2016, informa que, quando se consideram os bancos com ativos acima de US$ 100 bilhões (Itau-Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Santander), a mediana da rentabilidade sobre o patrimônio dos bancos brasileiros foi de 20,06% em 2015, contra 7,92% dos bancos dos Estados Unidos.
 
De acordo com a agência de classificação de risco Moody´s, a mudança regulatória, que permite aos bancos ter parte do FGTS dos trabalhadores como garantia para empréstimos com desconto na folha de pagamentos, é "crédito positivo para os bancos brasileiros".

Segundo a Moody´s, isso ocorre porque a garantia "mitiga o risco de perdas com créditos em caso de demissões, uma questão que tem desencorajado o desenvolvimento do crédito consignado para o setor privado".

De acordo com análise da Moodys, os bancos terão mais segurança no crédito consignado do setor privado, de modo que o volume de estes empréstimos é suscetível de aumentar.

"Ao mesmo tempo, os bancos cobram taxas de juros sobre este produto (atualmente cerca 44% ao ano para o setor privado, em média) vai diminuir gradualmente em direção às taxas cobradas sobre a folha de pagamento empréstimos a funcionários públicos, que atualmente a média está em torno de 28% [ao ano]", acrescentou.

De acordo com a agência, os maiores bancos do país, que já têm 79% do mercado de empréstimos com garantia em folha de pagamentos, estão melhores posicionados para oferecer rapidamente esse produto aos seus clientes. São eles: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander.

A Moodys diz ainda que o governo brasileiro espera que a nova modalidade possa dobrar o atual saldo de recursos do consignado do setor privado, atualmente em R$ 18 bilhões. Mesmo assim, ainda permanecerá abaixo dos R$ 171 bilhões de saldo dos aposentados e pensionistas e do estoque de empréstimos de R$ 93 bilhões para os servidores públicos.

Analistas recomendam cautela
De acordo com Reinaldo Domingos, presidente Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), a nova modalidade de crédito, que "parece representar um benefício para a população", pois permite teoricamente juros mais baixos, "esconde alguns problemas".

"É mais uma ferramenta de obtenção de crédito e que pode aumentar os já altos índices de endividamento da população, sem contar dificuldades que poderá gerar a longo prazo. Muitos trabalhadores que utilizarão essa alternativa de crédito não percebem que o FGTS é uma garantia para o futuro. E por isso, na maioria das vezes, só pode ser usado em situações emergenciais", afirmou ele. 

O analista avaliou que o FGTS funciona como uma "poupança forçada". "Então, não vejo com bons olhos o uso dos recursos para a amortização de dívidas ou garantir empréstimos. Infelizmente, hoje se vive um momento em que se pensa muito no consumo imediato, deixando de lado projeções da importância de poupar para uma aposentadoria, por exemplo", observou.

Já Mario Avelino, presidente do Instituto Fundo Devido ao Trabalhador, uma Organização Não Governamental, que defende o dinheiro do trabalhador no FGTS, afirmou que a nova modalidade de crédito irá reduzir "muito pouco" a taxa de juros cobrada pelos bancos, que já são abusivas. Acrescentou que a população brasileira já está em seu "limite de endividamento".

"Isso irá aumentar ainda mais o número de trabalhadores com dividas, o aumento de consumo para movimentar a economia será insignificante, o dinheiro da multa de 40% sobre o saldo do FGTS em caso de demissão é sacado de imediato pelo trabalhador onde ele pode usar de forma muito mais produtiva, como por exemplo, quitar dívida com o cartão de crédito ou empréstimos pessoais, que tem juros na estratosfera, ou ajudar o trabalhador a se manter enquanto não arruma outro emprego, ou investir em um negócio próprio", avaliou ele.

Avelino observou que, em 2014, foram demitidos sem justa causa pelas empresas brasileiras 20,4 milhões de trabalhadores, que sacaram R$ 54,3 bilhões do FGTS. Segundo ele, se todos os trabalhadores pegassem empréstimo consignado, só no FGTS os bancos sacariam R$ 20 bilhões, além de levar mais 30% do valor líquido das rescisões dos trabalhadores.

Questionado pelo G1, o Banco Central avaliou que, assim como ocorre em qualquer outra modalidade de crédito, a decisão de usar esses novos mecanismos tem de ser "bem avaliada pelo consumidor bancário, levando em conta vários aspectos na sua decisão, como a real necessidade do empréstimo, a destinação do valor a ser tomado e os recursos financeiros necessários para o pagamento de suas despesas do dia a dia, incluindo as parcelas do crédito obtido".

"No mais, o BCB [Banco Central do Brasil] não se pronuncia sobre normas gerais afetas ao crédito emanadas do Congresso Nacional", concluiu a autoridade monetária.

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