Mesmo com o país ainda em recessão, a melhora das expectativas em relação à recuperação da economia brasileira combinada com ventos um pouco mais favoráveis do exterior tem garantido fortes ganhos da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). O Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira acumula alta de quase 10% em julho e de 30,66% no ano.
Da mínima de 37.497 pontos atingida em meados de janeiro, o Ibovespa saltou nesta semana para um patamar acima de 56 mil pontos, o maior desde maio do ano passado, chegando a registrar uma sequência de 10 altas seguidas, a série mais longa desde agosto de 2010. Nesta quinta-feira (21), o índice fechou em alta de 0,11%, aos 56.647 pontos.
Os investidores estrangeiros, que respondem por cerca de metade do volume financeiro movimentado na Bovespa, vêm elevando suas apostas e contribuindo para o avanço do índice. Em julho, no acumulado até o dia 19, as entradas de capital externo (compras de ações) superaram as saídas (vendas de ações) em R$ 4,219 bilhões, segundo os últimos números disponibilizados pela BM&FBovespa.
Em junho, o ingresso de recursos externos somou R$ 1,16 bilhão, após uma retirada de R$ 1,8 bilhão em maio.
Entre janeiro e julho, a entrada líquida (entradas menos saídas) de capital estrangeiro na Bovespa está em R$ 16,86 bilhões. O valor já supera o resultado fechado de 2015, quando as compras de ações por investidores e fundos de outros países superaram as vendas em R$ 16,38 bilhões.
Sinais de recuperação mais rápida
Ainda que alguns analistas vejam um “certo exagero” no ritmo de subida do indicador, cresce a percepção de que sinais de melhora no ambiente político e econômico, associados à perspectiva de maior ingresso de recursos estrangeiros, justificam o otimismo e podem dar suporte à manutenção do atual patamar e até mesmo a uma alta adicional até o final do ano.
“A bolsa e os mercados financeiros em geral costumam antecipar os movimentos da economia real e, sem dúvida, a gente vê sinais de virada de preços e da economia”, afirma Phillip Soares, analista da Ativa Investimentos.
“Ainda não estamos vendo uma recuperação agressiva. Mas já parou de cair e está se estabilizando, o que já é grande coisa”, acrescenta o economista, citando ainda a melhora nas previsões para o PIB, como a última divulgada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que passou a avaliar que o Brasil voltará a crescer em 2017, após 2 projeções de crescimento zero.
Fatores externos
Outro fator que contribui para a alta da Bovespa é a perspectiva de que um aumento de juros nos Estados Unidos irá demorar mais do que se imaginava. Nas últimas semanas, ficaram menores também os temores em relação a uma ruptura na União Europeia após a vitória do Brexit no Reino Unido.
“Há uma percepção clara de que os riscos externos ainda vão permanecer reduzidos e que os juros internacionais vão ficar muitos baixos por um bom tempo”, diz Eduardo Velho, economista-chefe da A2A Asset.
Taxas de juros próximas de zero nos Estados Unidos, Europa e no Japão tendem a fazer com que investidores busquem ativos de maior rentabilidade, como ações, e costumam garantir também um fluxo maior de capital estrangeiro para países emergentes como o Brasil. Com uma taxa de juros básicos em 14,25% ao ano, o país segue na liderança do ranking mundial de juros reais (descontada a inflação), com uma taxa de 8% ao ano – espécie de termômetro do retorno oferecido a detentores de títulos do Tesouro.
O mercado financeiro avalia que a tendência de fluxo cambial negativo (saída de dólares maior que a entrada) vista neste ano deverá ser revertida nos próximos meses. "Não vamos ver uma megaentrada de recursos como vimos anos atrás, mas acredito que a direção está virando", diz Velho.
Na última semana, a entrada total de dólares, somando os canais financeiros e comerciais, superou o saída de recursos no país em US$ 1,1 bilhão, segundo informou o Banco Central. No acumulado no ano até julho, entretanto, US$ 11,04 bilhões deixaram a economia brasileira.
A recente queda do dólar e a redução das projeções de desvalorização do real para o final de 2016 e 2017 também estariam contribuindo para tornar o país mais atrativo para o investidor estrangeiro. "Quando há uma expectativa de desvalorização da moeda internacional frente à local e de maior estabilização do câmbio, o investidor tende a antecipar a entrada e reduzir a saída", explica o analista.
'Cota de exagero'
Para Adeodato Volpi Netto, especialista em Mercado de Capitais da Eleven Financial, apesar da melhora das expectativas em relação à recuperação da economia há uma "cota de exagero" no comportamento das ações na bolsa.
"Quando há uma mudança de quadro, o mercado começa a precificar a tendência e a antecipar movimentos da economia real, mas na minha leitura o mercado superestima a velocidade da melhora", diz o analista, lembrando que até o momento "praticamente nenhuma medida econômica saiu do papel".
Ele cita, por exemplo, a expectativa em torno de privatizações como as de empresas do setor elétrico. Segundo Netto, a venda de alguns ativos pode sim melhorar a performance de estatais, mas o processo de venda não será simples e enfrentará um cenário ainda repleto de incertezas e obstáculos.
"Sem a aprovação de medidas fiscais e econômicas no Congresso, sem a confirmação do fim da interinidade deste governo, sem que medidas efetivas aconteçam, qualquer patamar no Ibovespa acima de 55 mil pontos tenderá a ser artificial, sem suporte na realidade da economia", avalia Netto.
Dependência de medidas no Congresso
Os analistas alertam que alguns papéis já estariam sobrevalorizados, o que pode motivar a qualquer momento um movimento de venda expressiva de ações para o embolso de ganhos por parte dos investidores, o que faria cair as cotações das ações.
"Hoje ainda existe uma pressão compradora muito grande, mas não se pode esquecer que o lucro só vira lucro quando realizado", observa Netto, lembrando que o o mercado de ações é um investimento de risco, composto por múltiplos ativos e sujeito a mudanças repentinas.
"O movimento ainda é de compra, mas obviamente em algum momento vai ter uma parada para esperar qual vai ser o formato da PEC fiscal, da reforma da Previdência e da capacidade do Banco Central atingir a meta de inflação", avalia Eduardo Velho, da A2A Asset.
Bovespa acumula 3 anos de perdas
A bolsa lidera o retorno de investimentos financeiros feitos no país no 1º semestre, de acordo com ranking elaborado pelo administrador de investimentos Fabio Colombo.
Apesar da alta de mais de 30% no ano, o Ibovespa ainda está bem longe das máximas históricas. O patamar recorde foi registrado em 20 de maio de 2005, quando o índice chegou a 73.516 pontos. Já a barreira dos 60 mil pontos não é rompida desde setembro de 2014.
A bolsa brasileira acumula 3 anos seguidos de perdas. Em 2015, a Bovespa foi o pior investimento do ano, com perda de 13,31%. Em 2014 e 2013, o Ibovespa também acumulou baixas, de 2,91% e de 15,5%, respectivamente.
A série de desempenhos frustrantes levou a uma fuga de investidores do mercado de ações brasileiros. A Bovespa fechou junho com 559.518 investidores individuais pessoas físicas, ante um total de 562 mil em maio e um pico de 610 mil em 2010.
Maiores altas e baixas
Da carteira de 59 ações do Ibovespa, apenas 10 acumulam perda no ano, segundo dados da provedora de informações financeiras Economatica.