Mato Grosso, 26 de Abril de 2024
Esportes

Antes e depois de Bolt: a corrida que mudou a vida de jovem da Mangueira

20.07.2016
09:31
FONTE: Amanda Kestelman, no Rio de Janeiro

IMPRIMA ESSA NOTÍCIA ENVIE PARA UM AMIGO

  • Registro de um momento: Ana Shellen corre ao lado de Usain Bolt

  • Ana Shellen, aos 13 anos, no dia em que dividiu as raias com Usain Bolt

Menos de 10km separam o Engenhão, palco do atletismo na Olimpíada, da acanhada pista da Vila Olímpica da Mangueira. Ao pé da favela, beirando a linha do trem, ali é o palco onde Ana Shellen é uma entre muitas crianças que voam baixo e sonham alto para ganhar o mundo. Em um lugar onde as oportunidades muitas vezes são restritas e a violência teima em seguir como pano de fundo, o astro Usain Bolt  se tornou o alicerce que manteve a jovem, hoje com 15 anos, firme em busca do que acredita que seja seu projeto de vida. O esporte como norte, o ídolo como fonte de inspiração. 

Há pouco mais de um ano, Ana Shellen viveu minutos improváveis para quem nasceu e cresceu em uma favela carioca. Percorreu 100m ao lado do astro recordista mundial. Em seguida, ouviu elogios e incentivo que reverberam em sua cabeça. Queria que, só naquela tarde, as passadas do jamaicano fossem mais lentas e o tempo passasse mais devagar. 

- Mudou a minha vida. Depois que tive a oportunidade de correr com ele nunca mais quis parar. Quero alcançar mais coisas. Antes não tinha muita certeza. Ter uma oportunidade como essa é muito difícil. É diferente. Com isso, sei que quero ser atleta - disse a jovem corredora da Mangueira.

Usain Bolt irá desembarcar novamente na cidade de Ana Shellen nas próximas semanas. O Rio é o palco onde poderá escrever um dos capítulos mais marcantes da história do esporte caso alcance o tricampeonato olímpico nos 100m, 200m e 4x100m. Suas provas são algumas das mais esperadas pelo público. 

Ana estará perto, em casa, vendo pela televisão. O preço e a alta procura por ingressos acabaram colocando o Engenhão mais longe do Morro da Mangueira.

- É muito caro - lamenta a jovem. 

As terças e as quintas de Ana Shellen raramente fugiam ao lugar comum. Até hoje segue com a mesma rotina. Depois da escola, a menina vai direto para a Vila Olímpica. Tem sido assim desde que trocou as aulas de ginástica artística pelo atletismo sob a desculpa de que ''queria se movimentar mais''. 

Naquela quinta-feira, dia 16 de abril do ano passado, ela e seus colegas apenas sabiam que haveria uma visita durante o treinamento. Para manter a surpresa, nenhuma pista foi dada.  

A chegada surpresa de Bolt causou euforia como poucas vezes vista na Vila Olímpica. O barulho do trilho do trem que serve de trilha sonora nos treinos das crianças foi tomado pelos gritos histéricos da garotada. Havia muitos jornalistas, causando um certo tumulto sobre o astro, que ficou cerca de uma hora no local.

Como esperado quando se trata de Bolt, foi tudo muito rápido. Os flashes que vem na cabeça de Ana Shellen, até hoje, remetem para as suas pernas bambas e as mãos trêmulas ao saber que tinha sido a escolhida para dar um tiro de 100m lado a lado com recordista mundial. Ana teve ajuda de seu treinador para entender as poucas palavras do jamaicano. Ganhou elogios que até hoje enche a boca para contar. 

- Fiquei nervosa, com as pernas tremendo. O professor falava ''calma, calma'', mas minhas pernas tremiam muito. Só via ele na televisão, sempre correndo demais. Ver ele assim, na minha frente...tomei até um susto.Tinha muita gente em volta. Muita gente querendo conversar com ele. Mas o Bolt disse que eu era muito linda e que deveria continuar no esporte - lembra. 

Celebridade na comunidade

A partir daquela tarde, Ana Shellen se tornou celebridade instantânea na Mangueira. Ela recorda que o fato de ter sido eleita pelo professor gerou um certo ciúme entre os colegas, mas encheu de orgulho a família. Regiane, a mãe, é manicure e trabalhava quando viu a filha dando uma entrevista na televisão. Acabou caindo no choro. O pai, Emerson, é motorista, e estufa o peito de orgulho pelas ruas ao contar da filha atleta que dividiu a pista com Bolt. Para eles, era como se o esforço para guiar os cinco filhos para o caminho do esporte estivesse, de alguma forma, sendo recompensado. 

Horas depois daquele encontro, o próprio Usain Bolt postou foto correndo ao lado de Ana Shellen em sua conta pessoal nas redes sociais. No texto, dizia: ''Os jovens são o futuro. Proteger as crianças é obrigação de todos''.

Naquela tarde, sua presença deu nova perspectiva aos sonhos da pequena brasileira. 

A Mangueira é conhecida no Brasil e no mundo por sua escola de samba. É tradicional, carismática e atual campeã do carnaval carioca. Sua quadra está entre as mais visitadas. Durante a passagem de Bolt, houve uma breve apresentação da bateria ao lado de passistas. Mas não é só de batuque vive aquela comunidade. Mesmo com uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), confrontos e tiroteios fazem parte do cotidiano. 

Ana nasceu e foi criada por ali e prefere não apontar muito os problemas, apesar de conhecer e reconhecer. Vive de perto esse cenário. Viu crianças da sua idade tendo sonhos e projetos interrompidos. Mas preferiu falar sobre ter se tornado um exemplo para que mais crianças da Mangueira mergulhem no esporte. Agora é ela quem se torna inspiração.  

- Na área que moro até que é tranquilo. Mas existem os problemas que rolam na comunidade mesmo. (...) Muitas crianças daqui falaram que queriam estar no meu lugar. Pelo jeito que está na comunidade, muitas mães colocam os filhos nos esportes - diz.

Antes do Rio, Usain Bolt tem compromisso chave e essencial nesta sexta-feira, quando irá competir na prova dos 200m da etapa de Londres da Diamond League. Uma lesão o tirou das finais da seletiva jamaicana, no começo do mês. Mesmo assim, ele foi convocado pelos dirigentes de seu país. No entanto, precisa provar na disputa britânica que está saudável e bem fisicamente para a Olimpíada.

IMPRIMA ESSA NOTÍCIA ENVIE PARA UM AMIGO

NOTÍCIAS RELACIONADAS

ENVIE SEU COMENTÁRIO