Mato Grosso, 19 de Abril de 2024
Esportes

Egonu desvia de ataques, luta contra racismo, mas lamenta: "Não vai mudar"

28.07.2016
11:03
FONTE: João Gabriel Rodrigues, no Rio de Janeiro

IMPRIMA ESSA NOTÍCIA ENVIE PARA UM AMIGO

  • Egonu ataca contra o Brasil durante o Grand Prix

Nos corredores frios de um supermercado em Citadella, cidade com ares medievais ao norte da Itália, Paola Egonu, ainda criança, percebe ser alvo. A cada passo, a cada gesto para escolher um ou outro produto, a jovem adolescente quase consegue sentir o peso dos olhares. Pensa ser paranoia, uma viagem de uma mente elétrica. Aos poucos, porém, nota o pior. Os olhares, tão incisivos, têm uma única razão, um único medo: a cor de sua pele. 

O tempo passa, e Paola, agora uma adolescente de 16 anos, está dentro da quadra do Treviso, um dos clubes mais tradicionais da Itália. Está animada. Tão nova, é apontada como a maior revelação do vôlei local. A jovem se aquece. Alonga os braços, as pernas, dá algumas pancadas na bola. O pior, porém, volta a aparecer: das arquibancadas, começa a ouvir gritos descompassados, uma imitação tosca do som que macacos costumam fazer. Olha para baixo e só consegue chorar.   

Egonu tem a pele negra como a de seus pais, nigerianos. O pai, caminhoneiro, e a mãe, enfermeira, foram para a Itália em 1992. Lá, criaram uma família ao lado dos três filhos – além de Paola, outra menina e um menino. A jovem se acostumou aos insultos desde pequena. Lembra da vez quando foi vigiada de perto por funcionários de um supermercado, temendo que a jovem furtasse algo. Lembra dos olhares nas ruas, nos ônibus, no metrô. E lembra, já em quadra, dos xingamentos vindos das arquibancadas.   

- No começo era muito difícil. Vários torcedores me insultavam, me xingavam por conta da minha cor. Agora, está um pouco melhor. Há outras duas ou três jogadoras negras na seleção. Nossa cultura é diferente. Se for olhar, por exemplo, para mim e para a Miriam (Sylla, outro destaque da Itália). Nosso comportamento, nossa risada. Outras meninas são mais relaxadas.

Hoje, Egonu tem 17 anos. Em meio a uma seleção renovada, surge como maior esperança de dias melhores para a Itália no vôlei. Os braços longos, a ótima impulsão e o ímpeto de sempre atacar logo despertaram o interesse do técnico Marco Bonitta. 

Enquanto se multiplica em muitas dentro de quadra, Egonu ainda tenta se proteger dos ataques mais sujos. Consegue, aos poucos, criar uma barreira diante dos insultos racistas, mas reconhece que está longe do ideal. Sua pele, ela diz, pouco deveria importar, em quadra ou não. A camisa da seleção italiana, no entanto, não deverá mudar a situação.   

- Era uma coisa bruta, eram adultos a me ofender (dentro do ginásio). Mas, mesmo na rua, no ônibus ou no metrô, ouço comentários desagradáveis. Eu tento ignorar, é natural que haja gente ruim. Mas você sente as feridas. Eu acho que, agora que estou na seleção, essas coisas não vão mudar. Não tenho ilusões – disse, em entrevista ao jornal “Corriere dello Sport”. 

Na primeira fase do Grand Prix, no Rio de Janeiro, marcou 18 pontos contra o Brasil. Agora, volta à cidade como principal referência do time nos Jogos Olímpicos. 

- Eu não penso nesse sentido (ser a maior referência do time mesmo tão jovem). Eu acho que é uma grande responsabilidade. Eu sempre tenho que trabalhar para me tornar uma grande jogadora. Estou muito feliz por todos terem essa confiança em mim, pensarem que eu posso me tornar uma grande jogadora. É um prazer para mim.   

Quando criança, Paola costumava assistir às aventuras de Milo e Shiro, protagonistas de um desenho japonês. Nos episódios, a dupla enfrentava os desafios em busca do sonho de jogar vôlei. As histórias inspiraram a jovem, que começou a ensaiar seus primeiros passos dentro de quadra na equipe de Galliera, cidade próxima a Citadella.   

De lá para o Club Italia, projeto liderado por Bonitta, técnico da seleção, e formado apenas por jovens jogadoras, foi um passo. No Campeonato Italiano, logo passou a ser alvo das equipes mais tradicionais. Tanto que deve vestir a camisa de um novo time após os Jogos. Por enquanto, no entanto, só consegue pensar em defender a seleção de seu país no Rio.   

- É um grande prazer. Eu acho que, se formos jogar com grande pressão, não vamos mostrar tudo o que podemos. Precisamos jogar com tranquilidade e fazer o que precisamos fazer. 

À medida que se lança ao posto de uma das principais atacantes do vôlei mundial, Egonu também se espanta ao se deparar com suas principais referências do outro lado da rede. Após enfrentar o Brasil no Grand Prix, falou do orgulho de jogar contra as estrelas rivais.

- Elas têm um time muito bom. São boas em tudo. No ataque, na defesa. É incrível jogar com meninas que eu só estou acostumada a ver na TV. É incrível. É emocionante.   

Por enquanto, Egonu tenta ser quem é. Não pensa em sua cor, apenas em suas origens. Quer dar orgulho aos pais, imigrantes em uma Europa que atravessa um momento de aversão a quem é de fora.   

- Eu tento ser eu mesma. Tento fazer o melhor que posso. Todas me aceitam do jeito que sou. E estou feliz por ser quem sou.   

No Rio, a Itália está no grupo B, ao lado de China, Holanda, Porto Rico, Sérvia e Estados Unidos. Egonu entra em quadra no dia 6 de agosto, contra as sérvias, às 22h35.

IMPRIMA ESSA NOTÍCIA ENVIE PARA UM AMIGO

NOTÍCIAS RELACIONADAS

ENVIE SEU COMENTÁRIO