Nunca se discutiu tanto em Cuiabá a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) como no ano de 2014. Audiências públicas, oficinas e seminários foram realizados para debater o assunto e as mudanças trazidas pelo último dia 2 de agosto, data estabelecida pelo Governo Federal para que todos os municípios fechassem os lixões.
O que fazer com mais de 60 catadores e famílias que sobreviviam retirando do lixão de Cuiabá a sua sobrevivência, como implantar no município a coleta seletiva, como atender as exigências de inclusão social de associações e cooperativas ligadas à cadeia produtiva dos resíduos, esses e outros questionamentos circularam por gabinetes, foram manchetes nos principais jornais e obrigaram autoridades, empresários e a população a repensar o novo paradigma e o indiscutível avanço sociambiental que Política Nacional de Resíduos Sólidos propôs à sociedade.
Entre os eventos que discutiram a PNRS em Cuiabá, em 2014, mereceram destaque o Seminário Estadual “Pró-catador: Inclusão Social e Produtiva das catadoras e dos catadores de materiais recicláveis”. O evento aconteceu nos dias 16 e 17 de setembro e contou com a participação de representantes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Ministério Público do Estado de Mato Grosso, associações e cooperativas que atuam na reciclagem, reaproveitamento e compostagem de resíduos sólidos em Mato Grosso.
O tema predominante do Seminário Pró-catador foi a questão social relacionada ao fechamento dos lixões, uma determinação que, só em Cuiabá, retirou a alternativa de renda de cerca de 60 famílias de trabalhadores. O evento aprovou uma carta proposta para que de fato o Estado de Mato Grosso e os municípios passassem a cumprir as obrigações presentes na Política Nacional de Resíduos Sólidos, em especial aquelas que dizem respeito à inclusão social e econômica de catadores, catadoras, associações e cooperativas que trabalham com o gerenciamento sustentável de resíduos.
Outro evento importante realizado em 2014 foi o “Seminário Gestão de Resíduos Orgânicos para a Cidade de Cuiabá - Identificando obstáculos propondo soluções eficientes”, evento promovido pelo Espaço Vitória - com o patrocínio da Petrobras - que discutiu a gestão sustentável dos resíduos orgânicos no contexto de implementação da nova lei de resíduos em Cuiabá.
O evento teve como objetivo suscitar um debate participativo sobre a elaboração do Plano Municipal de Resíduos Sólidos (PMRS). Do Seminário Gestão de Resíduos Orgânicos para a Cidade de Cuiabá saiu uma carta proposta que sugeriu a contratação pela Prefeitura de Cuiabá das cooperativas de catadores como prestadoras de serviços ambientais; a proibição de unidades de incineração ou outras formas de tratamento envolvendo a queima de resíduos sólidos domiciliares; a adequação do aterro sanitário para receber apenas rejeitos; a submissão do Plano Municipal de Resíduos Sólidos aos conselhos e associações regionais dos engenheiros sanitários e ambientais; entre outras propostas de alinhamento do referido documento às exigências socioambientais presentes na nova lei de resíduos do País.
Nas audiências públicas que antecederam a aprovação do projeto de lei que instituiu o Plano Municipal de Resíduos Sólidos de Cuiabá tanto o Espaço Vitória quanto líderes do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) buscaram em vão acrescentar suas propostas ao Plano, que obrigatoriamente teria que ter sido elaborado com ampla discussão e participação popular. Mas, infelizmente, o que se viu foi um Plano Municipal de Resíduos Sólidos realizado de maneira impositiva e acelerada, no qual prevaleceu o caráter das parcerias público-privadas (PPPs) em detrimento da contratação de Cooperativas de Catadores e de Compostagem sediadas no município.
A maneira como o Plano Municipal de resíduos se estrutura deixa claro que este não promoveu um alinhamento pleno com o caráter social e de economia solidária evidenciado na nova lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), caráter que foi veementemente enfocado por renomados promotores durante o Seminário Estadual “Pró-catador: Inclusão Social e Produtiva das catadoras e dos catadores de materiais recicláveis”, ocorrido em setembro do ano passado, em Cuiabá.
Apesar dos protestos realizados por representantes de associações e cooperativas de reciclagem de resíduos, em frente à Câmara Municipal de Cuiabá, durante a última sessão do ano realizada no dia 18 dezembro de 2014, apenas uma mudança foi conquistada pelos manifestantes que queriam o adiamento da votação do projeto de lei que aprovou Plano Municipal de Gestão Resíduos Sólidos de Cuiabá. A mudança conquistada no documento foi a alteração do artigo 18, que passou a incluir as cooperativas de reciclagem, reaproveitamento e compostagem de resíduos como possíveis prestadoras de serviços no trabalho de coleta dos resíduos urbanos da Capital.
Mas a inclusão das cooperativas e associações de reciclagem no Plano Municipal de Resíduos Sólidos, como potenciais prestadoras de serviços ambientais de coleta, está longe de significar a contratação destas pela Prefeitura de Cuiabá. Tendo em vista que, na mesma sessão da Câmara de vereadores que legalizou o Plano, foi aprovada a concessão dos serviços de gerenciamento de resíduos sólidos urbanos da capital cuiabana, através de parceria público-privada, à empresas que desde o inicio do ano almejam os contratos milionários que envolvem a prestação destes serviços. A votação ocorrida na última sessão da Câmara de Vereadores deixou claro que a prefeitura priorizou as parcerias público-privadas (PPPs) em detrimento do incentivo aos empreendimentos inclusivos e solidários representado pelas associações e cooperativas cuiabanas. Prevaleceu a lei do mais forte e o desprezo pelo caráter inclusivo e socioambiental da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Representantes de cooperativas e associações que trabalham na rede produtiva dos resíduos e líderes do Movimento Nacional dos Catadores de Resíduos Recicláveis (MNCR) prometeram recorrer ao Ministério Público, para que a Prefeitura de Cuiabá reveja o teor dos contratos das parcerias público-privadas envolvendo os serviços ambientais de coleta da capital e os possíveis erros e distorções legais do Plano Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos, aprovado recentemente pela Câmara de Vereadores de Cuiabá.