Mato Grosso, 25 de Abril de 2024
Nacional / Internacional

Alquimia

27.11.2014
07:46
FONTE: Maria Cristina Castilho de Andrade

IMPRIMA ESSA NOTÍCIA ENVIE PARA UM AMIGO

Revelado o que acontecia com a menina, tenta-se a prática da alquimia em suas emoções. Dois anos de abuso sexual não lhe marcaram em definitivo o corpo, contudo inocularam em seus sentimentos: desprezo, arrogância, covardia, insensibilidade, instintos torpes.

Ao desfazer, aos poucos, os nós de seus desarranjos interiores, ela traduz em símbolos como foi essa história triste, com a qual não tinha maturidade para lidar, coragem para denunciar...

Seus desenhos são cinza. Acalca o lápis. Luto. A chácara, à primeira vista com encantos, quebrou-se ao meio. A piscina, pela sujeira, perdeu o azulado das águas. O homem, que injetou, nela e em outras crianças, o veneno que abala os sentimentos, foi o responsável por macular sua infância e emporcalhar as águas límpidas. Afastado do convívio social, diminuíram os temores daquelas que suas garras atingiam, contudo não se recuperou a festa no coração. A menina brinca com coisas de sua idade, mas as lembranças estancam a pureza dos folguedos. Na gravura, existem, ainda, abelhas maceradas. Explica que o homem-abusador pisava nelas. A “casinha” das abelhas está vazia e os favos murchos. Fim da doçura vinda da florada dos laranjais. Esvaziou-se a meiguice de seus sonhos infantis. Teima-se, no exercício da alquimia, em sublimar seu interior.

A outra, que passou por situação semelhante, já é moça feita. Faz pouco tempo revelou o que acontecera a partir de seus oito anos. Era a tristeza que líamos em seus olhos e a perturbação de sua mente. Não houve denúncia, o inescrupuloso permaneceu nas cercanias e ela não foi tratada. Hoje, se apega à transcendência para curar as feridas. Recentemente, participou, pela primeira vez, da Missa na capela do Carmelo São José. Chorou muito por sentir lá algo diverso do que o mundo fez com ela e lhe propôs e, também, pela forma com que foi recebida pelas Monjas. Percebeu-se única e de importância aos olhos do Eterno. Relê os versos da música cantada na Missa: “Argila eu sou, dos anjos bem distante:/ vieste buscar os fracos, não os sãos./ Tua graça em mim me ergue a cada instante,/ eu posso, então, viver do Teu amor!” Poema de Santa Teresinha.

A denúncia, a aplicação da lei, o tratamento de quem foi abusado e do abusador são importantes, mas creio que restabelecer o sabor e o aroma do néctar da flor de laranjeira é façanha do Céu.
 
Maria Cristina Castilho de Andrade é Professora e cronista. Coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher – Santa Maria Madalena/ Magdala. Jundiaí, Brasil.

IMPRIMA ESSA NOTÍCIA ENVIE PARA UM AMIGO

NOTÍCIAS RELACIONADAS

ENVIE SEU COMENTÁRIO