É na frente de uma casa modesta com parede azul, em contraste com tons verdes de plantas aos cantos do muro, que o aposentado José Yong Gonçalves da Cunha, de 78 anos, inicia a rotina de estudos para o vestibular 2015 da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Logo após bebericar café, divide-se entre o cigarro e um jornal. "Estou lendo sobre petróleo. Vai que cai na prova né?", frisou com preocupação semelhante a de alunos do ensino médio.
Ressabiado no início de conversa com o G1, o técnico agrícola, aos poucos, contou sobre o sonho de ser aprovado no curso de Tecnologia de Construção em Edifícios, em Limeira (SP), e ter ensino superior. A opção deve-se à concorrência inferior quando há comparação com Engenharia Civil, para o qual ele foi aprovado em 1978, mas não conseguiu finalizar a tempo por causa de percalços durante a trajetória. "Quem sabe, se aprovado, consigo transferência para fazer matérias do curso. Vai dar certo", ressaltou. Se tiver sucesso na disputa, que começa em 23 de novembro, ele será o aluno mais velho da instituição.
Cunha aposentou-se há oito anos como técnico agrícola e mora sozinho em uma rua onde há pouco movimento, em Americana (SP). Apesar de incômodos gerados pela recente cirurgia de catarata, sobretudo quando exposto ao sol, reserva duas horas diárias aos estudos para tentar melhorar o desempenho obtido na prova de 2014, por não ter avançado à segunda fase do exame. O local escolhido é o sofá preto em sala com piso de madeira, onde fica sob as proteções de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e também pela foto emoldurada do Papa João Paulo II.
"Eu fui bem, mas inglês estava muito difícil. Espero que esteja mais fácil agora porque em matemática e física, que são prioritárias, eu vou bem", ponderou antes de sorrir, sem disfarce, sobre aumento de dedicação com a disciplina. "Ainda não, dá tempo", brincou o aposentado.
Ao mostrar apostilas com folhas que se agarram umas às outras, e denotam o tempo em que foram produzidas, Cunha disse que divide o estudo das matérias a cada semana. Além disso, mostrou disposição ao comentar que planeja ir à prova, em Sumaré (SP), de ônibus. "Ah, o horário é ruim. Não quero incomodar ninguém, são apenas 20 minutos até lá", explicou.
Disposição e persistência
O aposentado que nasceu em Taiúva, região de Ribeirão Preto, fez um curso de técnico ambiental em Jaboticabal e, ao longo do tempo, trabalhou em empresas do setor instaladas em Araçatuba e na capital paulista. Chegou a Americana com os pais e cinco irmãos. O apreço pela área de exatas começou durante a juventude, lembrou, por causa da admiração de prédios e pontes. "Acho muito bonita a Rio-Niterói. Sempre gostei de saber como as coisas funcionam", ressaltou Cunha.
As disciplinas de engenharia foram cursadas por ele na Unicamp até a década de 80, quando à época precisou trancar a matrícula por causa da dificuldade em conciliar os estudos com a rotina que envolvia trabalho. Tentou seguir anos depois em uma universidade particular da cidade, mas não achava justo o valor cobrado pela instituição.
Sobre a concorrência dos mais jovens, disse que não se intimida e espera servir de exemplo aos que desejam retomar ou iniciar a atividade em busca de realização pessoal. "Eu me sinto bem. Acho que a molecada vai tirar sarro de ter um velho no meio. Se não passar, tento de novo no próximo ano e assim vai", divertiu-se.
Possível transferência
A Unicamp oferece 50 vagas para Tecnologia de Construção em Edifícios no período noturno, cada uma delas disputada por 8,4 candidatos. Já para o curso de Engenharia Civil, integral, o processo tem concorrência de 54,2 estudantes e estão disponíveis 80 vagas.
De acordo com a Comissão Permanente para os Vestibulares (Unicamp), José Cunha poderá tentar eventual transferência de curso, se aprovado na opção escolhida, somente a partir do terceiro semestre. Neste caso, é preciso que ele participe da seleção relacionada às possíveis vagas remanescentes, onde terá de fazer uma prova geral e terá currículo avaliado.
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