Mato Grosso, 29 de Março de 2024
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Brasil não tem lei específica para regulamentar gestão privada de presídios

06.01.2017
03:10
FONTE: G1

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Embora empresas já administrem penitenciárias em vários estados, o Brasil, até hoje, não tem uma lei nacional específica para regulamentar a gestão privada de presídios.

Palco da maior matança de presos desde o massacre do Carandiru, em 1992, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, é administrado pela Umanizzare, empresa privada que é dona de concessões para gerir oito complexos prisionais no Amazonas e em Tocantins. A rebelião que ocorreu no início da semana no presídio da capital amazonense deixou, pelo menos, 56 mortos e 180 foragidos.

Na maioria dos casos de concessão de penitenciárias a empresas, cada estado utiliza uma norma própria para esse tipo de gestão, assim como ocorreu no caso do Compaj. A administração do presídio foi concedida Umanizzare em 2014.

O consórcio formado pela Umanizzare e pela LFG Locações e Serviço venceu, em março de 2015, a disputa para uma concessão de cinco presídios no Amazonas. O grupo foi o único que participou da concorrência, que não teve outros interessados.

O valor do contrato era de R$ 205 milhões e o prazo de concessão era de 27 anos, sendo dois de construção e 25 de operação. Ao todo, os complexos prisionais concedidos têm capacidade total de receber 3.654 presos, segundo informações do site da Umanizzare.

Ainda que peritos do próprio governo federal tenham afirmado que autoridades ignoraram alertas de riscos de rebeliões nos presídios de Manaus, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou nesta quinta-feira (5), em uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto, que houve "falha" por parte da Umanizzare no massacre do presídio de Manaus.

"A responsabilidade vai ser analisada pela força-tarefa que está fazendo a investigação. O presídio [de Manaus] é terceirizado. Não é uma PPP. É uma terceirização dos serviços. De cara, óbvio, houve falha da empresa. Não é possível que entre armas brancas, facões, pedaços de metal, armas de fogo inclusive escopeta", declarou o ministro.

Especialistas na questão penitenciária e parlamentares ouvidos pelo G1 ressaltam é necessária a aprovação de uma lei federal para estabelecer em que medida e como o poder público pode delegar as atividades ligadas aos presídios para a iniciativa privada.

Ao longo da década passada, vários estados criaram normas locais para estabelecer parcerias público-privadas na gestão das penitenciárias.

As unidades da federação que não estabeleceram uma legislação específica para as penitenciárias têm se baseado em uma lei federal, de 2004, que regulamenta as parcerias com a iniciativa privada, mas de forma genérica, para qualquer tipo de serviço público.

Segundo o advogado e professor Alamiro Velludo Salvador Netto, presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (órgão consultivo ligado ao Ministério da Justiça), as parcerias consistem na terceirização de certas atividades de manutenção do presídio, mas que vão desde o fornecimento de alimentação à contratação de seguranças privados.

"Não há uma normativa nacional nesse aspecto. A Lei de Execução Penal também não prevê absolutamente nada. Se a gente pensar que a punição é uma função indelegável do Estado, o que a gente tem é, a meu ver, completamente fora da dinâmica da legalidade brasileira", enfatizou o especialista.

Congresso Nacional

Atualmente, existem projetos em tramitação no Congresso Nacional com o objetivo de estabelecer como essas parcerias do poder público com a iniciativa privada em relação à administração de presídios devem ser feitas, assim como os limites e atribuições que devem permanecer a cargo do Estado.

Entre essas propostas está uma apresentada pelo senador Vicentinho Alves (PR-TO), segundo a qual somente atividades como manutenção, alimentação, limpeza, lavanderia, copeiragem, aluguel e manutenção de veículos e equipamentos poderão ser tocadas pela iniciativa privada.

O texto está sob análise da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Se for aprovado pelo colegiado, a matéria ainda voltará à comissão temporária que cuida do tema, sob a relatoria do senador Antonio Anastasia (PSDB), ex-governador de Minas Gerais. Se também for aprovada na comissão, a proposta seguirá, então, para a Câmara dos Deputados.

De acordo com a proposta de Vicentinho Alves, a administração dos presídios deverá continuar a cargo de um servidor público.

Também permaneceriam como "funções indelegáveis", exercidas exclusivamente por agentes penitenciários concursados, atividades ligadas à execução da pena, segurança do presídio, custódia, disciplina, escoltas, vigilância, recaptura de presos, vistorias manuais ou com equipamentos, monitoramento eletrônico, controle de motins e rebeliões, identificação e qualificação de pessoas, assistência social, jurídica e saúde dos presos.

Falta de legislação nacional
Para o senador Paulo Paim (PT-RS) – atual relator no Senado da proposta de Vicentinho Alves –, sem uma legislação específica, o Estado deixa as penitenciárias "totalmente na mão da iniciativa privada". Na avaliação do parlamentar petista, isso faz prevalecer o "interesse do lucro".

"Quando o Estado se afasta e deixa na mão da iniciativa privada, aquilo vira uma selva de pedra. Ninguém tem condições de viver ali dentro, com o mínimo de dignidade para caminhar numa linha de recuperação. E aí você coloca em risco todo mundo: os presidiários, os agentes, os servidores que atuam na área", avaliou o senador do PT.

"O que prevalece na iniciativa privada é o interesse do lucro, e a nossa visão é de que o Estado é o responsável. E, sendo assim, tem que ter estrutura, tem que ter segurança para os profissionais para que não se permita que aconteça esse tipo de massacre", acrescentou.

Para Paim, o massacre no presídio em Manaus pode fazer com que o projeto avance no Senado.

'Ausência' do Estado
Relator original do projeto, o senador Antonio Anastasia – que implementou o modelo de parceria público-privada na administração de presídio quando governou Minas Gerais – diz que, atualmente, há uma "ausência do Estado" na questão penitenciária.

"A falta e a falência do poder público nos refere em especial à gestão. Aquela bandeira antiga que temos desbravado há muitos anos [...]. A gestão na administração penitenciária também é imprescindível para melhorarmos muito as condições, não só dos presos, mas também a segurança da sociedade em torno dessas unidades e, mais do que isso, a capacidade de ressocialização daquele que está cumprindo a pena", afirmou o senador tucano ao G1.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou uma nota nesta semana para repercutir a rebelião no presídio de Manaus. No comunicado, a entidade dos advogados afirmou que o poder público precisa reassumir o controle das penitenciárias e dos presídios.

Para Anastasia, se o projeto em análise no Congresso já estivesse aprovado, o massacre em Manaus poderia ter sido evitado.

"É um projeto que, se aprovado, vai aprimorar e desenvolver bastante esse modelo de maneira a uniformizar procedimentos e padrões [...] É um projeto que vai ajudar e que poderia, inclusive, caso já estivesse aprovado, se não evitar, pelo menos, inibir ou restringir as questões que levaram ao problema recente em Manaus", ponderou Anastasia.

O senador do PSDB, no entanto, adverte que somente a aprovação do projeto não resolve a questão precária do sistema penitenciário brasileiro.

Para o parlamentar mineiro, é preciso pensar mecanismos alternativos de penas para criminosos que não oferecem perigo à sociedade. "Ao mesmo tempo [precisamos] impor penas graves para aqueles que estejam a ameaçar a sociedade como um todo", opinou Anastasia.

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