Mato Grosso, 17 de Abril de 2024
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Chapéu em Di Stéfano e gol "mixuruca": o único gremista que marcou contra o Real

16.12.2017
09:03
FONTE: Globo Esporte

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  • joão osvaldo

    João Cardoso, hoje com 78 anos, recorda em detalhes o amistoso de 1961 entre as duas equipes que decidem o Mundial de Clubes na tarde de sábado (Foto: Beto Azambuja / GloboEsporte.com)

Em um acanhado apartamento da zona sul de Porto Alegre, vive o único gremista capaz de fazer um gol no Real Madrid na centenária história do clube gaúcho. Com 78 anos e uma lucidez de Luan para organizar o meio-campo do time de Renato Gaúcho, João Esteves Cardoso é o dono do feito, 56 anos atrás. À época, o Tricolor foi goleado por 4 a 1 diante de um time que tinha nada menos que Puskás e Di Stéfano, dois dos melhores jogadores do futebol mundial. Hoje, o uruguaianense torce para que a revanche possa ter um desfecho completamente diferente.

 

Com a camisa do bi da Libertadores de 1995, bermudas, chinelos e o cabelo já grisalho pelo tempo "lambido" para trás, o ex-ponteiro direito recebeu a reportagem do GloboEsporte.com e RBS TV na tarde nublada e quente de quinta-feira. Lembrou com perfeição do amistoso disputado entre Grêmio e Real Madrid no longínquo 25 de maio de 1961, em Estrasburgo, na França, durante excursão dos gaúchos à Europa que durou cerca de três meses. E o duelo aconteceu por acaso.

 

Gaúchos "perdidos" na Europa

Conta a história que um empresário fanático por futebol intermediou a viagem do Grêmio. Os jogadores deixaram Porto Alegre sem saber quem iriam enfrentar. Somente no Velho Continente que os amistosos começaram a ser marcados. E o Tricolor, de Airton Pavilhão, Ênio Rodrigues, Milton Kuelle, João Cardoso e o craque Gessy, que calou a Bombonera ao fazer quatro gols no Boca Juniors em 1959, chamou a atenção com vitórias.

 

Conforme Cardoso, uma sequência de triunfos na Grécia fez os principais times do país formarem uma seleção para desafiar os gaúchos. Não foi suficiente. Porém, desta forma o Grêmio chamou atenção de mais clubes, e os convites para jogos aumentaram. A delegação se movimentava conforme a agenda. Assim, transitou por França, Bélgica, Romênia, Bulgária e Rússia, entre outros países. Até estacionar em Hamburgo, na Alemanha.

 

– Fomos para a Europa sem destino. Chegamos lá, começamos a ganhar e passaram a aparecer times querendo enfrentar o Grêmio. Nós andávamos perdidos por lá e nos pegaram para jogar – recorda João Cardoso.

 

O Real Madrid acumulava à época cinco títulos europeus seguidos e havia faturado o primeiro campeonato mundial um ano antes, diante do Peñarol. Cintilavam as estrelas do argentino Di Stéfano e do húngaro Puskás. Os merengues tinham um amistoso marcado contra o Sedan naquele 25 de maio. Mas os franceses cancelaram a participação devido a inúmeras lesões no elenco. O Grêmio, então, aceitou o convite para substituí-los.

 

– Primeiro achamos que estavam brincando com a nossa cara. Mas foi o empresário que arranjou. "Então vamos lá tomar um baile. O que vamos fazer?" – diz Cardoso sobre o pensamento dos gremistas.

 

"Grêmio enfrenta o campeão dos campeões"

A imprensa gaúcha divulgou amplamente o amistoso histórico com cara de Copa do Mundo. "Grêmio enfrenta o campeão dos campeões", "Jogo do século para o ‘football’ gaúcho", "Grêmio x Campeão do mundo!" foram algumas das manchetes estampadas nos jornais publicados no Rio Grande do Sul. João Cardoso, contudo, contesta o caráter decisivo da partida.

 

– Conhecíamos o Puskás e o Di Stéfano. Era um timaço. Ninguém tinha ideia de que pudesse ganhar do Real Madrid. Era quase imbatível. Aquele jogo foi festivo para nós. O Foguinho nos disse: “O que vocês fizerem, está bem feito” – revela o ponteiro direito.

 

Foguinho era Osvaldo Rolla, um dos maiores técnicos da história tricolor. De destaque como jogador nas décadas de 20 e 30, transformou-se em um treinador obcecado pelo vigor físico dos atletas. Retornou ao Grêmio na segunda metade da década de 50 e moldou a equipe que venceu 12 campeonatos estaduais em 13 anos. Em entrevista à imprensa da época, chegou a dizer que Grêmio e Real Madrid tinham "as mesmas possibilidades".

 

Os jornais espanhóis não deram muita atenção ao amistoso. O Mundo Deportivo, por exemplo, publicou uma pequena nota no dia seguinte ao jogo com o resultado e chamou o Tricolor de "Club Porto Alegre". Já os franceses destacaram em suas páginas o confronto, ao afirmar que milhares de torcedores da região da Alsácia, onde fica Estrasburgo, e até alemães lotaram o Stade de la Meinau, com capacidade de mais de 20 mil pessoas, para ver o duelo na noite do dia 25 de maio de 1961.

 

O chapéu, o gol e Puskás

Apesar de quase fiel, o relato acima do atacante João Cardoso mostra a diferença de forças entre os campeões mundiais do Real Madrid e os penta estaduais do Grêmio. Logo que a bola rolou em Estrasburgo, Del Sol já abriu o placar para os merengues. Só que o Tricolor igualou as forças e chegou ao empate com Cardoso, aos 24. Não sem antes "abusar" de ninguém menos que Di Stéfano.

 

– Foi uma bola comprida, ia sair fora de campo, e o Di Stéfano veio para disputar comigo. Aí consegui dar um chapeuzinho nele. Quando voltei, estava ele parado com as mãos na cintura e me disse: "Qué malo!" – gaba-se, entre risadas, o gremista.

 

Então, veio o lance do gol que entraria para a história do Grêmio e seria recontado diante do segundo duelo entre as equipes, 56 anos depois. Foi uma jogada de linha de fundo, seguida de cruzamento para a área que parou nos pés de Cardoso, com a predestinada camisa 7 às costas, que apenas desviou do goleiro Vicente. Os jornais da época relatam lances com jogadores e lados diferentes, mas Cardoso o narrou assim:

 

- O Vieira cruzou, o Marino disputou com o zagueiro e a bola sobrou. Dominei e chutei. Um golzinho assim, mixuruca.

 

Questionado se preferiu o gol ou o lençol sobre o lendário Di Stéfano, Cardoso é imediato:

 

– O balãozinho no Di Stéfano! Pelo amor de Deus! Dar um balãozinho naquela fera, ele ficar te olhando e te xingar ainda!

 

Mas o Grêmio não suportou o empate por muito tempo. Aos 36 e aos 43, Puskás mostrou por que era um dos melhores do mundo nas décadas de 50 e 60. O 3 a 1 no placar fez o zagueiro Airton Pavilhão lembrar de uma brincadeira do técnico Osvaldo Rolla no vestiário.

 

– O Puskás era um baixinho, gordinho. Aí o Foguinho avisou: "Seu Airton, esse aí eu entro e marco". "Tá bom, seu Osvaldo", respondeu o Airton. No primeiro tempo, já tinha nos metido dois, estávamos tomando um baile e o Airton não pegava ele nem com a mão. Quando entramos no vestiário, o Airton falou: "Quem sabe o senhor entra lá e marca o Puskás?". Aí o Foguinho começou a rir! Ele considerava o Puskás melhor que o Pelé, de tanto que jogava aquele baixinho desgraçado – conta Cardoso.

 

O Real voltou do intervalo apenas para cumprir os minutos regulamentares. Os gremistas chegaram a brincar para que os adversários "não fizessem 10". Foi só mais um, com Mateos, que fechou a goleada em 4 a 1.

 

O ponteiro direito João Cardoso ficou somente de 1959 a 1962 no Grêmio, quando foi vendido ao Newell’s Old Boys, da Argentina. Passou pelo Independiente e se tornou ídolo no Racing, onde foi campeão da Libertadores e do mundo em 1967. Hoje, aos 78 anos, não tem dúvida ao cravar que aquele Real Madrid de 1961 era melhor que o atual. E faz uma comparação entre os craques merengues.

 

– Aquele Real Madrid foi insuperável. Que nem aquele não vai existir outro time no mundo. O Di Stéfano era mais corredor, lutador. O Puskás era mais cerebral. Já o Cristiano Ronaldo é completamente diferente. É moderno, se mexe, enfrenta o adversário – opina.

 

Quanto ao Grêmio, o ex-jogador diz que a equipe da sua época era mais física, e a de agora, mais técnica. Ele compara Luan a Gessy, pela habilidade e visão de jogo com a bola nos pés, elogia Bruno Cortez, como exemplo de atuação na semifinal, e pede para o time de Renato Gaúcho chutar mais. Acima de tudo, confia no título mundial.

 

– O Luan é o Gessy da nossa época. Se o Luan não jogar, o Grêmio não joga. Mas o Grêmio pode ganhar de qualquer time. É só estar em um dia bom. Vê o nosso lateral-esquerdo agora: foi um fenômeno, fez uma partida de craque. O problema é que os atacantes não fazem jogada para chutar. Preferem tocar para o lado do que arriscar. Se não chutar, não vai fazer gol, a bola não vai bater no zagueiro e ir para o outro lado, o goleiro não vai tomar um frango… – ressalta.

 

Dos poucos que conseguiu chutar diante do melhor time do mundo, João Cardoso usa a sapiência dos mais antigos para inspirar os tricolores de agora. O exemplo dele, mesmo com a goleada sofrida, serve para o Grêmio acreditar que pode superar o que parece insuperável. E não é necessário mais que igualar o ponteiro direito de 1961 para alguém tornar o sonho do bi mundial realidade. Desde que, desta vez, os craques estejam do outro lado.

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