Mato Grosso, 29 de Março de 2024
Economia / Agronegócio

Crise da BRF angustia integrados no Paraná

13.03.2018
08:52
FONTE: AviSite

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Uma, duas, três, logo dezenas de caixas com frangos prontos para o abate vão sendo rapidamente empilhadas dentro da carreta da BRF estacionada diante do barracão em Piraí do Sul, no Paraná. Mais 27 caminhões sairão carregados de aves desta propriedade até segunda-feira em direção à cidade vizinha de Carambeí, onde a unidade mais polêmica da companhia no Estado segue suas operações à revelia dos acontecimentos.

 

"Isso aqui virou um caos", diz Carlos Bonfim, produtor da BRF e presidente da Associação dos Avicultores de Campos Gerais, a segunda região do Paraná mais importante para a BRF em frangos, depois de Dois Vizinhos. "A Polícia Federal bateu na minha porta às seis da manhã, já com metralhadora em punho. Eu não estava entendendo nada, ninguém estava. A medida que a notícia se espalhou, os integrados entraram em desespero achando que a unidade ia perder o SIF [o registrou federal que permite a exportação da carne], que ia começar tudo de novo", afirmou.

 

Carambeí mal acordava na segunda-feira e já se deparava com mais uma crise para administrar. Quase um ano atrás, este pacato município de 22 mil habitantes, colonizado por holandeses, entrava no imaginário popular nacional pelas acusações da existência de papelão na salsicha produzida pela BRF na cidade, trazida à tona pela primeira Operação Carne Fraca.

 

Investigações posteriores esclareceram: por um equívoco, os saquinhos plásticos que costumam resguardar as salsichas haviam acabado - e o diretor industrial da unidade na época sugeriu, em conversa gravada pela PF, que elas então fossem diretamente para a embalagem final de papelão. A confusão chamuscou a BRF e concorrentes envolvidos na operação por outras questões. O consumidor entrou em pânico com a alardeada falta de sanidade. O mercado brasileiro de carnes foi fechado temporariamente no exterior. Mas a ação atrapalhada da PF também sinalizou problemas de gestão em Carambeí, aparentemente pontuais.

 

Carlos Bonfim teve seu celular confiscado nesta semana devido à deflagração da nova fase da Carne Fraca. Denominada "Trapaça", a ação agora envolve ocorrências de salmonela que teriam sido, segundo os fiscais agropecuários, deliberadamente ocultadas pelo alto escalão da BRF.

 

Uma reunião no sindicato rural de Castro foi realizada na quarta-feira. Integrados considerados influenciadores no setor compareceram para ouvir as explicações do fiscal Antonio Carlos Prestes Pereira. Responsável pela fiscalização da planta da BRF em Carambeí, ele tentou acalmar os ânimos dos 18 presentes. A primeira informação foi a de que não havia motivos para retirar o SIF (e a consequente paralisação do abate). Depois detalhou o passo a passo das investigações. E por que, afinal, a BRF era de novo alvo da PF.

 

"Eles [BRF] são muito cuidadosos com a questão sanitária, mas o que acontece com o frango depois que chega na planta nós não sabemos. É algo comercial, coisa deles. E a unidade tem metas operacionais, né?", dizia um integrado de Castro em conversa paralela com outro integrado. Ouviu de volta: "Se eles [BRF] fizeram mesmo isso, mas que grande sacanagem".

 

A parte da Trapaça sobre Carambeí está concentrada em episódios ocorridos no primeiro semestre de 2016. Segundo o Ministério da Agricultura, os problemas tiveram início no dia 10 de março daquele ano, após um telefonema de alerta de um auxiliar de inspeção alocado em Carambeí sobre a identificação de um lote de animais contaminados com a bactéria Salmonela pullorum na BRF. As aves eram oriundas do matrizeiro JBR - o integrado responsável pelas "matrizes", ou galinhas-mães.

 

Conforme os laudos do processo, a inspeção de rotina detectou lesões no fígado e no coração de algumas aves, sinal inequívoco da doença. Era o primeiro caso de registro da tipologia na unidade.

 

Não passou uma semana e, no dia 16, um novo lote com a mesma bactéria foi identificado, proveniente da mesma JBR. Oito dias depois mais um, desta vez do matrizeiro Santo André. Em comum, a BRF não havia informado sobre as ocorrências. "Todos os laudos eram negativos para a presença da bactéria", diz Pereira. "E isso não é uma decisão do chão de fábrica".

 

A unidade era comandada por Luiz Fossati, diretor industrial e o "chefe da quadrilha", segundo o fiscal, e Décio Goldoni, gerente agropecuário. Ambos foram presos. Por motivo contratual - e receio em expor opiniões - os integrados afirmam que não podem dar entrevistas ou serem fotógrafos. Ao Valor, aceitaram dar a sua visão sobre os problemas somente na condição de anonimato. O que mais se indagavam era: por que omitir a informação da contaminação das autoridades brasileiras?

 

A Salmonela pullorum não faz mal à saúde humana. Detectada, o procedimento protocolar é retirar o animal dos lotes de exportação (há países que não aceitam a presença da bactéria) e destiná-lo ao consumo doméstico. Cozida ou processada - em forma de hambúrguer, por exemplo - a carne é segura para ingestão. O problema é para o frango. Ela prejudica a qualidade e também retarda o ganho de peso das aves.

 

Com abate diário médio de 420 mil aves, Carambeí faz parte de um grupo de plantas da BRF dedicadas às exportações para o mercado muçulmano. A ave é abatida conforme preceitos religiosos. O frango produzido é o 'griller', menor, e que deve seguir inteiro, sem as vísceras.

 

Para a BRF, a pullorum é preocupante porque cria manchas na carcaça. "As partes danificadas têm de ser cortadas, o que inviabiliza exportar", explica um integrado.

 

"A gente tem dó. Tiraram o pessoal que entendia e botaram gente que não sabe o que é um frango nem no prato. Fizeram mil besteiras", diz um especialista do ramo.

 

Os episódios coincidem também com uma guinada histórica da cotação do milho no mercado internacional, que ajudou a sangrar o caixa da BRF diante de seus estoques baixos do cereal. O milho é usado na ração das aves e responde por um percentual alto do custo fixo da companhia.

 

A conjuntura já adversa seria aprofundada com o descarte de matrizes em plena fase produtiva, o que atrapalhou a gestão de cadeia produtiva e o fluxo logístico de mercadorias. Em geral, uma galinha reprodutora (matriz) é produtiva por cerca de dez meses, mas começa a botar os primeiros ovos após seis meses.

 

Na granjas de matrizes em Carambeí, os lotes tiveram de ser descartados com apenas três meses de produção, conforme fontes do setor. Para uma granja de matriz padrão, com capacidade para alojar 10 mil aves, a produção de pintos no período é de cerca de 1,5 milhão. Nesse cenário, se a BRF perdeu sete meses de produção, deixou de produzir em torno de 1 milhão de pintinhos, além de descartar as matrizes. O prejuízo da empresa pode ter sido superior a R$ 200 mil no descarte e de R$ 1 milhão ao perder sete meses. No caso do frango, a BRF teve de vender no mercado brasileiro cerca de 600 mil aves nesse período de 2016.

 

A percepção dos integrados é de que houve falha de conduta. A lógica econômica da unidade prevaleceu sobre o bem-estar do todo.

 

Outras posturas da empresa, dizem, elevam o desgaste. Os laudos laboratoriais que atestam salmonela não são abertos aos produtores. Isso só reforça a desconfiança entre as partes. Na era Abilio, a empresa também alterou a política de bonificação dos integrados, que leva em conta critérios de sanidade e podia chegar a 20% do resultado - mais de R$ 10 mil, a depender do porte do integrado. Agora, o teto de bônus é de R$ 3,2 mil, segundo fontes.

 

A produtora Cristianne Libertti entrou na Justiça contra a BRF após ser informada que o lote de pintinhos que recebera estava contaminado. Primeiro, se indignou. Depois pediu para que a BRF cobrisse o custo de vazio sanitário. Uma semana depois, a empresa voltou atrás - o teste era negativo. "Me pareceu estranho". Ela foi desligada meses depois. Procurada, a BRF informou, em nota, que "cumpriu as legislações".

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