Mato Grosso, 24 de Abril de 2024
Nacional / Internacional

O verdadeiro lobby do desarmamento

03.12.2014
17:02
FONTE: Fabricio Rebelo

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Numa sorrateira articulação às escuras, no dia 22 de dezembro de 2003, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizou uma manobra para sancionar a Lei 10.826/2003, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento. As vésperas do Natal, quando o foco já estava totalmente deslocado das atividades do Congresso e direcionado às preparações festivas de final de ano, a ideia era instituir o desarmamento dos cidadãos em todo o território nacional.
 
Na ocasião, era nítida a tentativa de sancionar o projeto sem alarde, no chamado “apagar das luzes”. Além disso, como depois se veio a descobrir, era época do esquema criminoso apelidado de “Mensalão”, que se valeu de transferências milionárias para consolidar compra de votos e apoio de parlamentares a projetos do governo, circunstância que lança inegável suspeita sobre a legitimidade dos votos dos parlamentares que aprovaram o estatuto. Naquela oportunidade, criara-se um verdadeiro “lobby” em prol do desarmamento dos cidadãos.
 
Em outubro de 2005, dois anos depois, o governo federal realizou um referendo para consultar se a população era favorável à proibição da comercialização de armas de fogo e munições no Brasil. A resposta foi esmagadora, 64% votou ser contra. Foram 56.951.853 votos a favor da venda de armas e munições no país, número que superou o da eleição presidencial de 2002, quando o presidente eleito recebeu pouco mais de 53 milhões de votos (61%).
 
Apesar do claro resultado do referendo, normas rígidas e burocráticas para a aquisição de armas de fogo, que na prática impedem o cidadão de exercer o seu direito a legitima defesa, permanecem vigentes. O Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) restringe e quase impossibilita o acesso da população às armas de fogo; pior, dificulta até que o cidadão que adquiriu uma arma de fogo anteriormente consiga renovar seu registro.
 
Com sistemática pautada em fortes restrições às armas, a atual legislação foi apresentada como solução eficaz à redução dos altos índices de homicídios constatados no país. Em 2003, o Brasil estava atônito com uma altíssima quantidade de assassinatos, que, naquele ano, somaram 51.043 ocorrências, de acordo com o Mapa da Violência, estudo adotado oficialmente pelo Ministério da Justiça.
  
O estatuto, de fato, produziu inegável impacto na aquisição e posse de armas de fogo pela sociedade. Das cerca de 2,4 mil lojas especializadas em venda de armas registradas junto à Polícia Federal no ano 2000, restavam, em 2010, menos de 280. Uma redução de 90%. 
 
No entanto, no mesmo ano de 2010, já com tão drástica redução no comércio de armas no país, os homicídios foram registrados em maior número do que antes do estatuto, no total de 52.260. No ano seguinte, 2011, o patamar foi praticamente o mesmo (52.198), até que, em 2012, o Brasil alcançou seu recorde histórico de homicídios em um ano, com 56.337 assassinatos, o equivalente a uma taxa de 29 ocorrências a cada 100 mil habitantes.
 
A Organização das Nações Unidas, idealizadora da teoria do micro-desarmamento de que se origina sua aplicação como política de segurança pública, estabelece como aceitável o índice máximo de 10 homicídios por 100 mil habitantes. A partir daí, a violência é considerada epidêmica. É o caso claro do Brasil, que, sob o manto do estatuto do desarmamento, alcançou o status de país com violência "triplamente" epidêmica.
 
Nem mesmo a redução de homicídios especificamente cometidos com arma de fogo foi conseguida com a legislação em vigor. Em sua edição de 2013, o Mapa da Violência apontava que, no ano 2000, foram assassinadas com arma de fogo no Brasil 30.865 pessoas, quantidade que, em 2010, saltou para 36.792, correspondendo a um aumento de 19,2%. Na mesma década, como mostram os dados do IBGE, a população brasileira cresceu 12,3%, passando de 169.799.170 para 190.732.694 habitantes. De 2000 a 2010, portanto, os homicídios por arma de fogo tiveram um aumento real de 7% no país, e isso mesmo com plena vigência do estatuto do desarmamento desde 2003.
 
Do ponto de vista de seus resultados práticos, medidos por números reconhecidos oficialmente, não há nenhum efeito positivo que possa ser atribuído à lei atual. Por mais que possa haver boa intenção na defesa de uma sociedade desarmada - o que já é amplamente contestável -, os dados concretos não respaldam, sequer minimamente, essa postura.
 
No dia 26 de novembro deste ano, a Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública para debater, às claras, um projeto de lei (PL 3722/12) que reestrutura a regulamentação sobre armas de fogo e munições no país. É um texto ainda pautado em rígido controle sobre a circulação desses artefatos, que sequer restabelece a realidade anterior ao estatuto. Porém, contém avanços inegáveis, ao aliar um sistema de controle efetivo a critérios objetivos, tornando claros os requisitos que precisam ser satisfeitos por quem pretenda possuir ou portar armas para autodefesa e recolocando a possibilidade de reação dentre os elementos que compõem o macrossistema da segurança pública.
 
O projeto, como esperado, é alvo de críticas ferrenhas por entidades desarmamentistas, que insistem na manutenção da lei atual. Atribuem o texto exclusivamente a um chamado "lobby da bala", nitidamente sem considerar o resultado do referendo de 2005 e, claro, os efeitos práticos obtidos nos últimos 11 anos de vigência das restrições às armas. Para a sociedade, a visão parece ser outra. Afinal, desde que apresentado (abril de 2012), o projeto figura continuamente entre os recordistas em manifestações populares, com uma aprovação superior a 85%.
 
Espera-se que a proposta seja votada ainda este ano na Comissão Especial que a analisa na Câmara dos Deputados. Se forem considerados os resultados da lei atual e o anseio popular, não há como se esperar outro desfecho que não sua aprovação. Pode ser um importante avanço para corrigir uma experiência que nitidamente não funcionou.
 
Fabricio Rebelo é bacharel em direito e pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.

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