L. foi preso em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, a caminho de um churrasco. Levava 25 gramas de maconha dentro de uma sacola. Estava com os amigos quando todos foram presos em flagrante pela posse da droga. Ele insistiu ser usuário e disse que não venderia a droga, mas foi enquadrado por tráfico de entorpecentes.
L. tinha 18 anos, emprego fixo, nunca tinha sido preso. Declarou-se usuário de drogas, mas teve a prisão preventiva decretada por tráfico. Casos como este podem fazer com que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrube um dos dispositivos da Lei de Drogas de 2006, deixando de ser crime o porte para consumo próprio. Levantamento do G1 mostra que, após Lei de Drogas, presos por tráfico passaram de 31,5 mil para 138,3 mil em nove anos.
"Sem dúvida tive sorte", diz ele, sobre ter sido solto um dia depois, com a ajuda do pai que conhecia uma juíza. "Injustiça, porque só usava maconha. Não tinha contato com o crime. E se ficasse mais dias por lá, não dá para saber o que ia acontecer. Muita gente ruim."
Casos como o dele fazem parte de um Banco de Injustiças criado pela Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD) e Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), onde os defensores públicos de todo o país inserem relatos de presos por tráfico que se dizem injustiçados.
L. acabou condenado como usuário e cumpriu sua pena: comprar um computador para a polícia da cidade. "Era isso ou oito meses de serviços comunitários. Não acho justo porque usuário tinha que ter onde comprar de uma forma legal. Mas é uma consequência que assumi quando escolhi usar maconha", diz.
Ele afirma não ter medo de ser preso novamente. "Não tenho porque não faço nada ilegal. Mas tenho medo de acontecer alguma coisa se tiver que agir em legítima defesa", completou.
Veja a seguir o relato completo:
“Experimentei maconha pela primeira vez com 15 anos, num churrasco, por curiosidade. Gostei e passei fazer o uso esporádico da droga, na maioria das vezes nos finais de semana. Depois, comecei fazer o uso recreativo e medicinal da mesma praticamente todos os dias da semana. Digo ‘medicinal’, pois ajudava e ainda me ajuda a me acalmar e a clarear a minha mente em momentos de conflitos, como se fosse um exame de consciência mais aprofundado e com melhores resultados. Sempre evitei usar drogas na frente de outras famílias ou em locais onde a maioria das pessoas a recriminassem.
Estávamos eu e mais algumas pessoas na rodoviária urbana da minha cidade esperando um ônibus para ir até um churrasco. Estávamos levando carne, cerveja, refrigerante. Apenas uma pessoa deste grupo sabia que eu estava levando maconha para o tal churrasco, adquiri uma pedra de maconha por R$ 60 pouco antes de encontrar o grupo na rodoviária.
Foi então que uma Blazer entrou na rodoviária e foi direto em direção ao nosso grupo. Quando falaram para encostarmos na parede, informei a eles que eu estava com o flagrante. Abri a mochila, estava com a pedra de maconha, uma caixa de sedas e um triturador de ervas todas dentro da mesma sacola plástica, que eu os entreguei.
Deveria haver no mínimo umas 250 pessoas dentro da rodoviária, os policiais ficaram insinuando insistentemente que eu era traficante e iria vender esta droga no churrasco e a todo momento eu negava e mostrava para eles que era para meu próprio consumo e que ninguém do grupo sabia que eu estava com a droga.
Depois de muito tempo, colocaram todos do grupo na mala da Blazer. Eram oito pessoas. E nos levaram para a cadeia da cidade. Ficamos nos corredores da delegacia, onde começaram a colocar pressão psicológica e querer arrancar a confissão de alguém afirmando ser traficante.
Depois de dar detalhes da pessoa que me vendeu a droga antes de eu entrar na rodoviária e não saber o nome da pessoa que me vendeu, pois nunca o tinha visto antes, chegou um policial que não estava na ocorrência e me levou para uma sala anexa à cadeia, que estava vazia.
O policial começou a me insultar e me agredir com tapas na cara sem motivo algum, pois tinha acabado de chegar. Sua farda não tinha seu nome para que eu pudesse dar queixa posteriormente dele.
Os policiais a toda hora vinham me falar que eu estava encrencado e que eu devia ligar para alguém para resolver a situação, mas, infelizmente, meus pais estavam viajando.
Eu tinha R$ 1 mil no banco, que estava juntando para comprar uma moto, e logo de cara ouvi que era muito pouco e que deveria arrumar no mínimo R$ 2 mil para que eles nos aliviassem. Diante da minha negativa, pois não tinha como arrumar esse dinheiro, eles nos deixaram esperando por mais um tempo.
Após mais de quatro horas depois da ocorrência, os policiais nos colocaram novamente na mala da Blazer, para aí, sim, nos levar para a delegacia e formalizar a queixa. Quando chegamos na delegacia, os policiais ficaram com todos os produtos que estavam conosco e falando que iriam fazer um churrasco logo mais com o que estava com o grupo.
Incrivelmente, já tinha um advogado à nossa espera dizendo que ia nos ajudar e magicamente sabia que eu tinha os R$ 1 mil disponíveis no banco. Ele assumiu o caso, nos fez comprar pizza para os policiais que estavam com fome para serem mais gentis, auxiliou no depoimento do grupo, mas nos fez assiná‐los sem poder ler o que estava escrito.
Ele disse que passaríamos a noite na cela, mas que no outro dia ele faria um desembargador assinar uma declaração desqualificando os artigos 33 e 35, nos quais fomos autuados erroneamente, passando para o artigo 28, que é onde deve ser enquadrado um usuário. Depois fui encaminhado para a cela.
No outro dia, o advogado entrou em contato com meu pai dizendo que não tinha encontrado o desembargador e que eu teria de ficar lá por mais alguns dias. Meu pai, muito preocupado comigo, embora decepcionado, começou a contatar as pessoas que ele conhecia para ver se conseguia essa desqualificação para que pudesse sair da cadeia.
Depois de muito tempo, achou uma juíza que ele conhecia havia muito tempo e a mesma, ao ver o nome do advogado na declaração, quase desistiu de assiná‐la, pois, pelo nome do advogado, disse que eu era traficante com certeza sem nem me conhecer. Depois de meu pai conversar muito com ela e dizer que eu era somente usuário, ela assinou o termo.
Fui libertado no outro dia, uma experiência que me deixou com certo trauma, pois decepcionei muito meus pais, sofri humilhações e apanhei sem ter o direito de defesa, pois era um policial quem as fez e estava protegido por uma farda.
Com um dos tapas que o policial me deu, meu tímpano sangrou e fiquei com problema de audição por muito tempo. Depois de um ano no julgamento correto como usuário, ficou estipulado uma sentença que cumpri.
Um dado muito significante que descobri só neste dia é que, no processo, constava que eu estava portando 75 gramas de maconha e material para endolação, e não somente os 25 gramas que havia comprado.”