Mato Grosso, 12 de Dezembro de 2025
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Em Mato Grosso, filha de cantora assassinada pelo “Rei do Bolero” defende prevenção e redes de apoio para mulh

11.12.2025
08:42
FONTE: Redação

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Ela tinha apenas dois anos quando sua mãe, a cantora Eliane de Grammont, foi assassinada a tiros pelo pai, o cantor Lindomar Castilho, o “rei do bolero” que embalou os anos 70 com sucessos românticos como “Você é Doida Demais”. Na tarde desta quarta-feira, Lili de Grammont, hoje bailarina, coreógrafa e ativista, trouxe sua história de dor e superação para o palco do II Encontro das Redes de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, realizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso nos dias 10 e 11/12, comovendo a plateia com a palestra “Órfã do feminicídio: Transformando a dor em força”.

O crime chocou o Brasil na madrugada de 30 de março de 1981. Eliane cantava no café Belle Époque, em São Paulo, quando Lindomar Castilho invadiu o local e disparou cinco tiros contra a ex-mulher, matando-a no palco. Por quatro anos, enquanto o julgamento se arrastava, a família protegeu a menina da verdade. “Para me proteger, eles não me contaram detalhes sobre a morte da minha mãe. Eu sabia que ela tinha morrido, mas não sabia como nem por quem. Na minha cabeça infantil, eu pensei: ‘Foi um ladrão que matou minha mãe’ “, relembrou.

A revelação veio de forma intempestiva, através de uma prima da mesma idade durante uma festa de família. “Você é boba, nem sabe que foi seu pai que matou sua mãe”, disse a criança. “Foi uma prima minha que chegou e disse isso. Essa foi a forma pela qual eu descobri, de um jeito nada legal”, contou Lili, emocionada.

O impacto da descoberta foi devastador. “Essa é uma grande dificuldade dos órfãos do feminicídio. Muitos autores de violência são pais que, para a sociedade, parecem perfeitos. Eles centralizam a violência apenas na mulher, e a filha ou filho fica apaixonado por eles. Eu era apaixonada por meu pai como filha, e ao mesmo tempo acompanhava o sofrimento da minha avó e da família durante o julgamento”, explicou.

Na palestra desta quarta-feira, Lili foi direta ao apresentar-se. “Eu não chamo isso de palestra, eu chamo de um relato pessoal. É a forma que encontrei para que os fatos e a realidade toquem o coração e, além de não desmobilizar emocionalmente as pessoas, sirva como um chamado à ação.”

Falar publicamente sobre o trauma tem sido parte fundamental do processo de cura. “Sim, falar é o primeiro passo para a cura, porque ninguém sai dessa sozinho. Para o órfão de feminicídio, a morte da mãe é o fim para ela, mas o começo de uma jornada para uma criança, muitas vezes marcada pelo medo de amar”, explicou Lili.

Lili criticou a ausência de políticas específicas para órfãos do feminicídio. “Sobre órfãos do feminicídio, não temos políticas públicas específicas, nem centros especializados. O que tem é uma pensão da mãe morta, dividida entre os filhos, valor insuficiente para garantir as necessidades básicas”, pontuou.

Sobre a relação com o pai, hoje com 85 anos, Lili revelou que mantém contato e, junto com a irmã, cuida dele. “Eu e minha irmã, que é de outro relacionamento dele, nos revezamos nos cuidados”, contou. Quanto ao perdão, a resposta é complexa. “Sobre perdoar, eu sempre digo que é sim e não. Não tem volta, não é simples apagar tudo. Eu tento ampliar meu campo de visão para entender que ele é fruto de uma estrutura cultural machista”, refletiu.

Lili apontou como a cultura da época alimentava a violência. “Por exemplo, a música que outro cantor famoso cantava na época da morte da minha mãe dizia: ‘Se te pego com outro, te mato…’ e isso era algo que refletia a cultura daquela época. Esse comportamento possessivo foi alimentado pela cultura, que endossa o controle da mulher e a violência.”

A ativista concluiu com um desejo: “Gostaria de poder voltar no tempo para mostrar para o pai que isso destruiria a vida dele também, porque, ao matar minha mãe, ele destruiu a vida dele, dela e da família. Essa fúria é vingança contra o próprio agressor, não só uma vítima.”

O crime que vitimou Eliane de Grammont foi um marco na luta contra a violência de gênero no Brasil. Após sua morte, em 1982, surgiu a primeira Delegacia da Mulher do país. Nos anos 1990, foi criada em São Paulo a Casa Eliane de Grammont, que oferece atendimento a vítimas de violência sexual e doméstica.

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